Coordenadora de projeto de incidência política, a educadora Daniela Signorini Marcilio faz um balanço sobre a Jornada de Mobilização que reuniu atores de 10 municípios engajados em tornar lei a Semana do Brincar
Por Guilherme Weimann
Sotaques, vivências, territórios e, com certeza, modos diversos de brincar. Foi essa grande diversidade que marcou a Jornada de Mobilização da Semana Municipal do Brincar na Lei. A experiência reuniu, ao longo do último ano, dezenas de atores espalhados por 10 municípios brasileiros para trocar experiência em torno de um objetivo principal: tornar lei a Semana Municipal do Brincar.
A partir de suas diferentes realidades, foram realizados avanços significativos em cada uma das cidades envolvidas (Belo Horizonte (MG), Rio de Janeiro (RJ), Salvador (BA), Aracajú (SE), São Luís (MA), Manaus (AM), Rio Branco (AC), Paragominas (PA), Brasília (DF) e Cuiabá (MT).
Nesta entrevista, a coordenadora de projeto de incidência política da Aliança pela Infância e doutora em educação, Daniela Signorini Marcilio, resgata os exemplos positivos, as aprendizagens e, além disso, aponta os desafios para que essas experiências possam reverberar para outros municípios do país.
Confira:
Qual é a origem da Jornada de Mobilização da Semana Municipal do Brincar na Lei? De onde partiu essa ideia?
A Semana Municipal do Brincar nasceu da parceria entre os Movimentos Aliança pela Infância e Unidos pelo Brincar no ano de 2021. A proposta sistematizou e compartilhou experiências adquiridas ao longo de vários anos de incidência política sobre o assunto. Foi elaborado o guia de incidência política, que pode ser adquirido gratuitamente no site semanadobrincar.org.br. Nele é possível localizar os caminhos e meios necessários para iniciar a mobilização nos diferentes municípios brasileiros, agregar atores, aprovar a lei e, além disso, o que fazer depois disso. Ou seja, após a aprovação da lei, a mobilização acaba? Não, pois é preciso manter a mobilização ativa para garantir a efetivação desse direito, que é o brincar para todas as crianças do município. Dentro desse objetivo, que é multiplicar para outros atores e territórios o conhecimento agregado sobre o brincar, houve a formação de um grupo de mobilização, contendo pessoas de 10 municípios brasileiros com pessoas engajadas na efetivação da Semana Municipal do Brincar.
De uma maneira geral, qual a sua avaliação sobre a mobilização com as cidades?
Essa mobilização tem gerado resultados diretos e indiretos. Por exemplo, em Manaus a lei já foi protocolada e agora está em tramitação. De acordo com Jomhara Barroncas, professora e integrante do Grupo de Mobilização, independentemente de sua aprovação, muitas pessoas já estão se articulando para tornar realidade o brincar na vida das crianças e dos adolescentes em Manaus, uma prova disso foi a grande mobilização na Semana Mundial do Brincar de 2022. Além disso, no caso da Bahia, a mobilização nos 10 municípios está inspirando outras cidades próximas a Salvador, como Jequié e Eunápolis, que contam com a presença de unidades do Sesc.
Nesse sentido, o período da Jornada de Mobilização foi de muito aprendizado sobre a relação que a sociedade civil e os representantes do Poder Legislativo podem estabelecer. Na maioria dos contatos encontramos parlamentares e assessores dispostos a conhecer e/ou entender mais sobre a importância do direito de brincar na lei municipal/distrital. Houve também aqueles que ainda não incorporaram o direito da criança e do adolescente, mesmo após 32 anos de vigência do Estatuto da Criança e do Adolescente, como uma pauta de agenda pública, prioritária e de responsabilidade de todos – família, sociedade e Poder Público. De tudo isso, fica o chamado para que a sociedade e os representantes do Poder Legislativo e do Poder Público em geral fiquem mais próximos e se unam na luta pela efetivação do direito de brincar, entendendo que este é um direito público subjetivo de todas as crianças e adolescentes.
Você poderia citar alguma experiência específica que foi marcante ao longo desse processo?
Sem dúvida o guia “Como implementar a Semana Municipal do Brincar” foi um marco fundamental do projeto. Preparado a partir de experiências de cidades que já passaram pelo processo de efetivação do direito ao brincar, o material tem como objetivo apoiar cidadãos e gestores públicos a implementarem a lei que institui a Semana Municipal do Brincar em seus municípios. Reúne, ainda, informações e materiais para a articulação e implementação da Semana do Brincar. Além do guia, em janeiro e fevereiro de 2022 foram realizados três encontros fechados de formação em advocacy com as 10 cidades que manifestaram interesse em participar da jornada de mobilização.
Como foram esses encontros?
No primeiro, “O brincar na perspectiva do território”, houve exposições sobre por que brincar, as barreiras presentes nos territórios e a necessidade de ações para efetivar a Semana Municipal do Brincar. Em “O brincar na perspectiva do sonho”, foram debatidas a dimensão jurídica do direito de brincar, a importância do mapeamento de atores, as minúcias do Projeto de Lei da Semana Municipal do Brincar e a Teoria da Mudança. No terceiro, “O brincar na perspectiva da campanha”, os participantes trocaram experiências sobre a implementação da Semana Municipal do Brincar, traçaram estratégias de campanha, elencaram mensagens chave e elaboraram seus planos de ação.
Destacamos também a realização do encontro aberto “A semana Municipal do Brincar pode ser lei em sua cidade”, no mês de março. A iniciativa buscou compartilhar conhecimentos e informações, além de experiências de cidadãos e gestores públicos que têm buscado a implementação da lei que institui a Semana Municipal do Brincar como política pública na cidade. Apesar de encerrada essa etapa, a troca de conhecimentos continua.
De que maneira tem ocorrido essas trocas?
Tivemos o Caso de Butiá, no Rio Grande do Sul, em que um grupo de atores locais ligado à Educação aproveitou o tema da Semana Mundial do Brincar de 2022, ‘Confiar na força do Brincar’, e o Guia de Incidência Política no site da Aliança para alavancar a mobilização de implementação da lei. Perceberam que era um momento oportuno para mobilizar a lei na cidade. Conversaram diretamente com o prefeito Daniel Pereira de Almeida [PT], mobilizaram educadores e fizeram amarelinhas nos espaços públicos ao redor do gabinete e das escolas para chamar a atenção dos gestores e da sociedade civil sobre o tema. Em linhas gerais, utilizaram o guia e multiplicaram as informações para as escolas entenderem a importância do tema. Da região, é o primeiro município a ter a lei. E a lei está abrindo espaço para criar o plano municipal para a primeira infância, com o envolvimento de outras secretarias.
Também tivemos o caso de Votuporanga, no interior de São Paulo. Ciente da importância do brincar, um grupo local de educadores apresentou o guia para um advogado escrever o Projeto de Lei. A Câmara e os demais vereadores apoiaram o projeto, além do próprio Executivo. Então no mesmo mês de maio já realizaram uma ação durante a Semana Municipal do Brincar. A lei municipal foi assinada e com ela estão iniciando uma série de atividades. Estão buscando contato com outras secretarias, aproximando e clarificando onde elas podem agir, como por exemplo na assistência social e saúde. O diálogo tem sido fácil, é só oportunizar.
Ou seja, o conteúdo do guia em si foi suficiente para apoiar esses municípios a criarem seus projetos, aprovarem a lei e seguirem com a mobilização pelo direito de brincar na cidade. Não precisaram de um acompanhamento direto da nossa equipe central, e isso mostra que o guia de incidência tem um conteúdo inovador que efetivou a sua funcionalidade ao apoiar a sociedade civil e gestores públicos a mobilizarem as leis em seus respectivos territórios. A linguagem é clara e objetiva, apresenta etapas, modelos de documentos e experiências diversificadas sobre esse processo.
Quais foram os principais desafios relatados pelos atores envolvidos na mobilização?
Um dos desafios que fica é a certeza de que o direito de brincar precisa de investimento público, seja na infraestrutura das cidades, visando oportunizar a fruição desse direito, seja na gestão da Semana Municipal do Brincar como um marco que pode e deve reverberar durante o ano todo. Com isso, chamamos atenção para o fato de que a Semana Municipal do Brincar é uma parte da efetivação do direito de brincar.
Você acredita que essas experiências podem ser replicadas em outros territórios? Como fazer isso?
A cada ano é preciso ampliar a capilaridade da realização da Semana para que ela ganhe espaço em todas as regiões da cidade. Assim, sugerimos que cada município tenha seu observatório do brincar como uma ferramenta de gestão e centralização dos dados e informações que podem ser colhidos na Semana Municipal do Brincar, que deve ser defendida como uma ação contínua e coletiva. Assim, o brincar precisa ocupar mais tempo e espaço, e não pode ser restrito a períodos específicos e secundários, assim como a ambientes privados, e muitas vezes institucionais.
Salientamos também que o guia “Como implementar a Semana Municipal do Brincar na sua cidade” enfatizou as experiências de mobilização em prol da aprovação da Semana Municipal do Brincar na Lei. Ao final dessa jornada, identificamos a oportunidade de um aprofundamento sobre processos e métodos criados pelas mobilizações nas cidades após a aprovação da lei, e assim contribuir para a geração de novos conhecimentos e dados sobre as experiências de incidência política que incluem metodologias para divulgar e atrair novas parcerias, intersetoriais. É importante também olhar para as variadas formas de planejamento das ações e gestão de recursos, inspirando outros municípios que já possuem essa lei com uma diversidade de exemplos para se fortalecerem nessa nova etapa.
Existe a perspectiva de repetir essa mobilização de incidência política com outras cidades?
É fundamental que cada município desenhe a sua própria jornada baixando o guia “Como implementar a Semana Municipal do Brincar na sua cidade” no site semanadobrincar.org.br. É em seu conteúdo que tudo começa. O site também apresenta alguns conteúdos que dão embasamento para a defesa da importância do brincar. São documentos e marcos regulatórios que apontam diretrizes base sobre o tema, como Estatuto da Criança e do Adolescentes e o Marco Legal da Primeira Infância. E também estudos, pesquisas, relatórios, o memorial da jornada de mobilização e outras campanhas sobre o direito ao brincar para uma infância integral. Também disponibilizamos um Kit de Comunicação Semana Municipal do Brincar na Lei, que contém materiais para qualquer município brasileiro realizar o engajamento nas redes sociais [Instagram], além de itens personalizados para cada uma das 10 cidades que participaram do projeto. Todos os encontros e eventos virtuais também estão disponíveis no Youtube da Aliança pela Infância, e podem ser consultados.